domingo, 30 de janeiro de 2011

O Meu Preferido

Fotografado por Larissa Fontes (http://www.flickr.com/photos/fonteslarissa)

O Meu Preferido tem olhos verde esperança, ou serão azul celeste...
Tem um corpinho esguio com uma brancura encardida típica de quem protagoniza a vida sob o sol de terra e de mar.
Meu Preferido entende carência e loucura de adulto, faz carinho como quem busca afastar a tal ansiedade que só gente que se acha grande inventa de ter.
Meu preferido sabe que grande é ele: ser viajado a planetas distantes, conhecedor único de caminhos que homem algum ousou percorrer.
Arquiteto de um mundo novo onde cada um será apenas o que é. E isso sim é motivo suficiente para que cada dia e cada noite sejam festejados.

Fotografado por Larissa Fontes (http://www.flickr.com/photos/fonteslarissa)

[Não seja tolo, você que se chama adulto]
Meu preferido sabe enxergar o arbitrário e não confunde amor com inércia.
No seu mundo, injustiça tem dias contados e é varrida por uma onda de luz que cega a sordidez de quem age às escondidas.
[Não se engane pobre adulto, nem se confunda com seu jeitinho de criança]
Meu Preferido carrega luz capaz de trazer montanha a seus pés.
Mas como ser de luz que é, prefere ajoelhar-se e sentir-se parte da própria montanha.
O Meu Preferido é a vida de hoje porque o amanhã [pobre adulto] simplesmente não existe.

Fotografado por Larissa Fontes (http://www.flickr.com/photos/fonteslarissa)

O senhor obséquio*

Depois de uma acirrada batalha de travesseiros e uma longa sessão de cócegas, a mãe furtivamente levanta-se da cama e enquanto tenta organizar o emaranhado de cachos que cai sobre os olhos sente de novo as mãozinhas agarrar-lhe o pescoço: - Peguei você!
A mãe volta a cair na cama e exausta suplica ao pequeno: - Meu filho, por favor e ‘obséquio’, dê um tempo a sua mamãe!
E para sua surpresa o rapazinho, no auge dos seus bem vividos três anos, impõe muito sério: - Não me chame disso! Eu não sou nenhum ‘obséquio’, sou o Lucas Veiga de Almeida!
Chegou a gritar com a própria mãe, que em meio a guerra e entre cabanas de lençóis já destruídas num mar de travesseiros, não pôde conter o riso e entregar-se às cócegas daquele tal ‘senhor obséquio’.

(*) Texto publicado em julho de 2009 na categoria Mãe Coruja do guiabemquerer.wordpress.com

Cheiro de 'ufo'*


Viagem de férias pra casa da vovó e ele esquece o ‘ufo’**.
Exausta a mãe chega à noite em casa…
Não escuta nenhum barulho, ninguém tem fome, ninguém quer brincar, ninguém reclama da hora do banho, ninguém se queixa de não gostar do creme dental…
Ela entra no quarto do filho e descobre que tem alguém naquele cheirinho esquecido sobre a cama. Tem alguém naquela misturinha de suor e saliva que se renova a cada manhã.
A mãe então pega o ‘ufo’ jura amor eterno e comemora o pedacinho dele que reina ali.

(**) Na linguagem do pequeno Lucas, 'ufo' é o inseparável amigo travesseiro.

(*) Texto publicado na categoria Mãe Coruja do guiabemquerer.wordpress.com

O suco amarelo*

A jarra de vidro com o líquido amarelo chamava a atenção dos seus olhinhos.
- Suco só depois que comer tudo, lembrou a mãe. E mesmo assim os olhinhos do menino brilharam: - Hoje é de manga, o meu preferido!
A mãe, uma verdadeira estraga prazer, esclarece: - Não é manga meu amor, é cajá.
Todavia, ele continua firme: - É manga mamãe. Olhe é amarelo.
Determinada a fazer o filho almoçar, a mãe resolve: - Almoce e depois veja de que é o suco.
Minutos depois, ele vira o copo com muito gosto, abre um sorriso e comemora: - Eu não disse mamãe que era manga, o meu preferido!!! E toma mais um copo.

Detalhe: o suco realmente era de cajá.
Moral da história: ninguém pode restringir a imaginação de uma criança.

(*) Texto publicado em agosto de 2009 na categoria Mãe Coruja do guiabemquerer.wordpress.com

'Gravatada' de amor*

Chego em casa, tarde, bem tarde… (um dia de trabalho, banco, supermercado…)
Lucas dormindo, aquele cheirinho bom de filho no quarto…
Me aproximo bem devagar – o medo de atrapalhar seus sonhos se confunde com a vontade de acordar, abraçar e conversar, conversar, conversar… – e beijo seu rosto, enquanto sussurro que o amo demaissss… E foi aí que, quando fiz o movimento para levantar de sua caminha, senti a ‘gravatada’ de amor.
Eu não sabia que aquilo existia – muito menos esse termo -, mas como ser mãe também é ter um novo leque de conhecimentos a cada dia, deixei seu bracinho segurar firme meu pescoço e ouvi: “Quero brincar com você mamãe”. Ao que respondi: “Quando o sol nascer a gente brinca”, e ouvi seu ressonar tranqüilo musicar o ambiente.

(*) Publicado em agosto de 2009 na categoria Mãe Coruja do guiabemquerer.wordpress.com

Mama Mia*

Certo dia ele aparece de repente e quebra o silêncio do letreiro que anunciava a sessão cinema na sala da tia Rita: - Filme mamãe?
- É o ‘Mama Mia’. Vem ver, convido.
Ele, já atento, ouve a trilha sonora e procura as cenas que ilustravam o menu do DVD: - Mas cadê os gatinhos???
As risadas ecoaram pela casa e ele chegou a demonstrar irritação, mas ciente de sua razão repetiu: - Cadê os gatos???
Explico que ‘Mama Mia’ não é um filme sobre gatos, mas sobre amores, casamento, família etc.
E ele muito determinado lembra: - Mas quem mia é gato mamãe!!!
Levanta-se do sofá e muito imponente desdenha do tal filme que mia, mas não é gato e prefere sumir pelo jardim à procura, quem sabe, de miados verdadeiros…

(*) Texto publicado em agosto de 2009 na categoria Mãe Coruja do guiabemquerer.wordpress.com

Era real o desejo daquela menina...


Visto entre as varas sujas da cerca, o olhar da menina denunciava o desejo por um tipo de liberdade escandalosa.
Mas por que tipo de escândalo pode ansiar uma menina de dez anos?
Afinal, aos dez anos o que uma criança pode querer?
- Um doce da padaria?
- Um brinquedo novo?
- Um passeio ao parque de diversões?
Não aquela menina.
Para ela, brinquedos, doces e passeios, eram liberdades não imaginadas.
Seu escandaloso objeto de desejo era, na verdade, um amontoado de lixo que restara da seleção de comida dos porcos.
Era real o desejo daquela menina...


quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Duo

O novo.
Tão instigante.
Talvez não exista em lugar algum.
Aparece como um lampejo de desejo envolvido num tal pudor desavergonhado.
Intenso, mas irreal.
Segredo nosso capaz de me deslocar para onde jamais estive.
E como arrastão deixar marcas por onde passa.
Incita, mesmo quando o detalhe não importa, quando apenas o todo é real.
Não levo as coisas a sério.
Por que interpretaria mal!?
O mundo é feito de impossibilidades.
Nasceu delas.
A nós... resta a intimidade com o caos.